Entrevista com Patrícia Mateus, fundadora d’A QA Portuguesa
Entrevista sobre Quality Assurance (QA) com Patrícia Mateus, fundadora d'A QA Portuguesa. Insights sobre QA, mentoria e o futuro na indústria tecnológica.
Nesta entrevista temos o prazer de conhecer melhor a Patrícia Mateus, uma profissional com mais de 10 anos de experiência na área de Software Quality Assurance (QA). Além de ser uma mentora e facilitadora do #IAmRemarkable, a Patrícia é também a fundadora do projeto “A QA Portuguesa”, onde partilha conhecimentos e promove a importância do QA em equipas de desenvolvimento. Ela será uma das oradoras da segunda edição da She is Tech Conference (23-24 de outubro), uma conferência europeia organizada pela Intellias e com o apoio da UN Women. Neste evento, a Patrícia irá conduzir o workshop “I am Remarkable” e dar uma talk sobre a importância do QA no desenvolvimento de software.
#1. Para começar, fala-nos um pouco sobre a tua trajetória profissional. Como surgiu o teu interesse pela área de QA?
Patrícia: Entrei para o curso de Engenharia Informática (vinda de um curso tecnológico de informática no ensino secundário) sabendo que queria trabalhar com computadores, que queria contrariar todas as vozes que diziam que era uma área difícil e que pelo facto de eu não ser uma aluna brilhante a matemática, não iria ser bem sucedida na área das engenharias e posterior vida profissional. Fiz todo o curso com bom aproveitamento e terminei o mesmo não sabendo ao certo em que área queria trabalhar. A informação disponível sobre as áreas da tecnologias era inexistente ou reservada.
Ao final de duas experiências profissionais (como Consultora SAP e como Programadora Júnior), surgiu a hipótese de integrar uma equipa de testes, num projeto na antiga Portugal Telecom. Embora não existisse à época muita informação (e a pouca que existia era em Inglês), pareceu-me à data que testar não deveria ser nada de muito complexo e que (na pior das hipóteses) seria mais uma experiência profissional. Embora durante todo o percurso académico tenha tido uma disciplina com maior (ou total) foco na área de Testes e Qualidade de Software, recordava-me dos conteúdos da disciplina de Auditoria e Qualidade, lecionada no Mestrado. Por isso achei que tinha tudo mais ou menos controlado.
Mas a verdade é que nunca imaginei o que me estava guardado: um projeto já a derrapar no calendário, várias equipas a trabalhar envolvidas, a equipa de desenvolvimento que estava em Aveiro, o precisar de saber lidar com prioridades e severidades, ter os utilizadores finais na mesma sala e toda a pressão inerente a essa situação, ter de saber de vários temas que direta ou indiretamente implicam com o meu trabalho, gerir expectativas e prazos e, mais importante de tudo, ter de aprender o que era testar, o que era qualidade e trabalhar em simultâneo e sem falhas.
Ganhei tal experiência durante os nove meses em que o projeto ainda durou, que soube que a área de testes e qualidade de software seria a minha escolha para me desenvolver profissionalmente e construir carreira.
#2. Com uma década de experiência, deves ter trabalhado com equipas e culturas bastante diversificadas. Como é que isso te ajudou a moldar a tua abordagem ao QA?
Patrícia: O querer explorar esta área, experimentar diferentes realidades, ir definindo os objetivos ao longo do percurso, sabendo sempre que quero ser uma boa profissional, deu-me a oportunidade de olhar para longe, para fora das fronteiras portuguesas.
Tenho a sorte de ter trabalhado com diferentes empresas e culturas organizacionais, bastante estruturadas e com foco no colaborador (com espaço, voz e oportunidades para partilha de ideias e sugestões, existindo sempre suporte para o erro e incentivo para fazer de novo). Todos os colegas (em diferentes posições geográficas) permitem-me aprender, desenvolver outros conhecimentos e valências, ao ter contacto com outras formas de trabalhar e perspetivas.
Tudo isto me tem permitido crescer, evoluir e desenvolver, tornando-me melhor profissional e pessoa. E sem dúvida, ter contacto com outras formas de pensar qualidade e desafios além fronteiras tem-me permitido expandir conhecimentos e abordagens, pensamentos e objetivos.
#3. És fundadora do projeto “A QA Portuguesa”. O que te inspirou a criar esta plataforma e que tipo de conteúdo podemos encontrar lá?
Patrícia: A área de Testes e Qualidade de Software ainda está em expansão e crescimento, embora algumas vozes se ouçam professando o término da mesma, por conta do aparecimento de tecnologias baseadas em inteligência artifical e também com uma importância e valor exacerbados à automação de testes. Embora muito tenha evoluído, continuamos com muito espaço por explorar e espaço para crescer.
É uma área que obriga a uma constante e contínua evolução. Porque as tecnologias evoluem e com elas a necessidade de garantir a qualidade também, sempre se adaptando às realidades e tecnologias existentes. Continuo a aprender e a evoluir diariamente. Cada vez aprendo mais e reforço a ideia inicial, de que esta é uma área super importante em qualquer projeto de desenvolvimento de produto/software, que tem de acompanhar lado-a-lado as outras áreas envolventes, que não é estanque e que não vai estagnar tão cedo, mesmo com todas as transformações que acontecem, naturais e que fazem parte do processo de evolução.
Sempre tive como compromisso profissional partilhar tudo aquilo que sei e que vou aprendendo ao longo do tempo, tendo sido pioneira na criação de documentos género quick-tips e how to em algumas equipas com que trabalhei. Toda a evolução se faz com base no conhecimento de quem já passou por determinada situação e teve a iniciativa de partilhar, sem receios nem objeções, o que fez, como fez e o que aprendeu. Eu aprendo muito a ouvir e ler os outros. Sou uma excelente ouvinte e uma ávida leitora. Mas tudo o que ia partilhando ia sendo disponibilizado apenas com aqueles com quem trabalhava, que tinham acesso ao que escrevia, falava e apresentava. Mas achei que era pouco, precisava de falar para mais pessoas.
Durante bastante tempo refleti sobre qual seria a melhor forma de o fazer, procurando e experimentando qual me poderia permitir chegar a mais pessoas e que se adaptasse aos meus compromissos e vida. Enquanto não me decidia sobre o que fazer, tomei a iniciativa de ser mentora no Programa de Mentoria da comunidade portuguesa Geek Girls Portugal e deparei-me com o facto de ter mentorandas que me questionavam sobre coisas com que eu me tinha tido deparado quando comecei a trabalhar na área.
Foi então que um pequeno empurrão aconteceu (ter sido aceite para a primeira edição da conferência das Geek Girls Portugal) e decidi dar início ao projeto de forma séria e comprometida. Tudo começou, em Março de 2023 e o processo evolutivo acabou por acontecer de forma muito natural, sendo que dos posts no instagram passei para as lives na mesma plataforma, para em simultâneo lançar o canal do YouTube e mais recentemente a criação da minha página de internet (que tem um blog associado e também através do qual é possível subscrever uma newsletter).
Não tenho como objetivo vender a ideia de que a área de Testes e Qualidade de Software é a área mais genial do mundo de IT, que é uma área fácil e super acessível, que é para todos sem qualquer restrição ou pré-condição. O meu objetivo é mostrar o que é a área, tudo o que está relacionado com a mesma, de forma direta ou indireta e o que é necessário aprender e saber para se tornarem melhores profissionais. Tudo isto é feito através das publicações no Instagram, nos vídeos do Youtube e dos artigos do blog.
Para a newsletter semanal guardo outros interesses e temas que estudo, leio e pesquiso, sendo que esta acaba por ser uma miscelânea de temas e curiosidades que vou explorando e guardando ao longo do meu caminho e que me vão permitindo alargar o meu leque de conhecimentos.
#4. Vais ser oradora na segunda edição da She is Tech Conference, com o workshop “I Am Remarkable” e a talk “What is Software QA and Why You Need It in Your Team”. O que podemos esperar do teu workshop e da tua talk?
Patrícia: O workshop #IAmRemarkable é-me muito querido e importante. Sendo uma pessoa das tecnologias, que já passou por vários desafios e contratempos profissionais e pessoais, também já tive (e continuo a ter) por vezes dificuldade em reconhecer o meu valor e valorizar todas as minhas conquistas. E quando tive a oportunidade de participar neste workshop soube que tinha de fazer parte da minha lista de tarefas voluntárias em prol da sociedade. Acredito que quem participa neste workshop fica a sentir-se diferente, com uma melhor perspetiva sobre si mesmo e muito mais clara e justa sobre o que a rodeia.
Com a talk “What is Software QA and Why You Need It in Your Team” espero conseguir apresentar e explicar o que é a área de testes e qualidade de software, a sua importância, a sua necessidade em qualquer equipa de desenvolvimento de produto/software e também quais são os riscos de não a ter. Quero que no final percebam o porquê ter profissionais da área de testes e qualidade de software deve ser considerado um investimento e não um custo ou despesa. Espero com a palestra conseguir gerar uma consciencialização da necessidade e mais valia desta área, em todo e qualquer âmbito das TI.
#5. Qual a importância deste tipo de conferências para promover a equidade de género na indústria tecnológica?
Patrícia: Absolutamente essencial. É cada vez mais visível e percetível o impacto que estas iniciativas estão a ter, ao analisarmos o crescente número de mulheres que querem entrar (numa perspetiva de primeiro emprego) ou migrar (em processos de reconversão de carreira) em diferentes áreas das tecnologias, e com diferentes objetivos profissionais. Como referi anteriormente, até há pouco tempo não existia tanta informação como existe hoje e acabavam por existir algumas erradas conceções sobre a dificuldade de algumas áreas e as oportunidade profissionais existentes.
Com o aparecimento deste tipo de iniciativas (conferências, encontros, comunidades) é dada a oportunidade de se aprender mais ao dar espaço à troca e partilha de experiências entre as mulheres que vingaram numa determinada área (e que têm assim a capacidade de ser inspiração para outras jovens e mulheres) e todas aquelas que procuram saber mais, aprender mais e ter role models femininas.
#6. O que te motivou a tornares-te uma facilitadora do #IAmRemarkable (workshop global que ajuda as pessoas a reconhecer e celebrar as suas conquistas)? Como tem sido a experiência?
Patrícia: O meu conhecimento sobre este workshop surgiu durante um jantar com a Vânia Gonçalves (fundadora das Geek Girls Portugal) que me falou da iniciativa, deixou-me bastante curiosa e interessada em saber mais. No dia seguinte estava a inscrever-me para participar num workshop e daí a candidatar-me para ser facilitadora foi um instante.
Revi-me em todo o Workshop, no seu propósito, objetivos e público alvo. E dado todo o meu percurso, dificuldades, vitórias e conquistas, decidi que ser facilitadora era absolutamente importante, não só para mim como profissional como pessoa (mulher, amiga, cuidadora, irmã). Todos os workshops que facilito são também para mim um processo de reflexão, de análise e consciencialização.
Um reforço de todas as afirmações, de todas as análises, de todas as perspetivas. Faço todas as atividades em simultâneo com os participantes, porque também me é importante recordar que sou Remarkable.
Deixo por isso o convite a que todos participem, pois o #IAmRemarkable é um movimento que tem como objetivo capacitar todos a celebrar suas conquistas, no local de trabalho e fora dele.
#7. Tens alguma recomendação para quem está a começar na área de QA ou para quem está a pensar em transitar para esta área?
Patrícia: Várias, claro! Para começar, seguir o projecto d’A QA Portuguesa em todas as plataformas em que está disponível. Depois, fazer parte de comunidades/grupos em que possa ter apoio na área, mesmo que sejam mais amplos no seu objetivo (e não apenas e só dedicado a testes e qualidade de software).
Ler, estudar e aprender o Syllabus do Certified Tester Foundation Level do ISTQB (que é a entidade certificadora de todos os profissionais da área) e também saber mais sobre metodologias ágeis, lógica de programação, base de dados, APIs, inteligência artificial, comunicação e gestão de tempo, entre outras.
Tendo as bases bem sedimentadas, é partir à aventura porque a área de Testes e Qualidade de Software ainda tem muitas partes por descobrir e explorar.