Mas afinal, há falta de informáticos em Portugal ou não?
Demos uma entrevista para uma revista de informática. A maior parte foi descartado e a noticia foi apenas mais uma para dizer que "faltam informáticos".
Há empresas, como a Remote, com actividade em Portugal, que recebem entre 12 a 15 mil candidaturas por mês. Empresas como esta não se queixem da falta de candidatos. Mas têm uma diferença para a maioria das outras empresas em Portugal. O salário mais baixo que pagam é de ~40k por ano.
Outras empresas, ainda que num contexto global, dizem ter recebido 25,400 candidaturas para 72 vagas em 2021.
São as empresas que pagam pior, as que dão piores condições, as que se queixam e alimentam este circulo vicioso interminável de noticias de faltarem programadores. A razão é simples. Pretendem atrair mais pessoas para a área no menor espaço de tempo possível.
Uma vez que já tivemos o esforço de escrever o texto, decidimos torná-lo público na integra.
- Existem programadores suficientes em Portugal para o número de investimentos e contratações que têm sido anunciados nos últimos tempos?
Na minha perspectiva há 3 formas de analisar esta questão.
A primeira é os casos de insucesso. Normalmente não é feito um acompanhamento sobre o trajecto dos investimentos e número de contratações pela comunicação social. Mas depois há casos como, no final de 2019, a Swvl dizer que ia contratar 150 pessoas em Portugal. No entanto, passado 6 meses, liquidou o escritório e ao dia de hoje não tem colaboradores em Portugal. Outros casos idênticos são o da Monese, Zalando ou Wodify.
A segunda é que há efectivamente investimentos que estão a ser bem-sucedidos, mas ainda assim, se estão a deparar com muitas dificuldades de recrutamento e a contratar abaixo do que pretendiam. Principalmente os hubs de engenharia que querem perfis seniores. A abertura destes centros tecnológicos, por norma, tem em conta os salários portugueses serem inferiores aos de países como Holanda, Alemanha, França ou Bélgica. Uma das formas de mitigar este problema é através do recrutamento de expats, utilizando mecanismos como o tech visa.
Contratam bastantes profissionais brasileiros experientes que vêm com bons olhos Portugal como porta de entrada na Europa pela familiaridade com a língua. Mais recentemente também tem havido uma tendência com algumas destas empresas a comprarem startups locais para não terem de criar equipas de engenharia do zero. Venture Oak pela New Work, Flaner pela Gympass ou Hapibot pelo TeamViewer.
A terceira, onde se encaixa a maior parte dos investimentos, são hubs de serviços partilhados e de suporte, com muito menor grau de exigência técnica do que os centros de I&D. Recorrem a perfis juniores e intermédios, os quais abundam fruto de programas de reconversão, bootcamps, academias internas ou cursos CTeSP.
Estas são fontes de talento que geralmente estão dispostas a ter menores vencimentos. Tal ocorre porque, muitas vezes, são pessoas que estavam desempregadas ou que são de áreas de formação não IT, com menores saídas profissionais, e no espaço de 3, 6 ou 12 meses estão no mercado e com menores expectativas salariais.
No geral, penso que não irá haver falta significativa de programadores juniores ao ritmo que estão a ser “formados”. No entanto, há clara escassez de perfis seniores. Esta justifica-se pela concorrência à escala global cada vez maior para esse tipo de profissionais.
A crescente adesão ao trabalho remoto também veio aumentar a concorrência pelos mesmos. Por outro lado, as empresas que investem em Portugal perdem um dos principais atractivos de abrirem um novo escritório se começaram a ter de pagar salários idênticos aos dos seus países de origem para contratar. Portugal atrai essencialmente empresas de tier 1 e 2.
Empresas de tier 3, que são empresas como a Amazon, GitHub, Apple ou Netflix não se preocupam em poupar salários. Querem simplesmente os melhores. Por exemplo, há várias empresas a pagar +200k na Holanda. Mais detalhes aqui. Infelizmente muito raramente Portugal atrai este tipo de empresa.
- Que impacto é que a abertura destes novos centros de desenvolvimento tem tido no mercado de emprego nas TI: notam muitas saídas de profissionais de empresas onde estavam para estes novos projetos?
É evidente que se nota a rotatividade, pois hoje em dia é raro o profissional que fica mais de 2 anos na mesma empresa. Um padrão bastante comum passa por profissionais sem experiência que começam em empresas de consultoria e outsourcing e passado algum tempo transitam para estes centros de desenvolvimento já com alguma experiência.
Uma pergunta bem mais interessante seria: Será que o mercado de IT em Portugal consegue continuar a absorver juniores sem correr o risco de a longo prazo ficar saturado de profissionais? Penso que sim, pode muito bem existir esse risco. Os novos profissionais desta área são cada vez formados mais rapidamente, em maior número e com menores barreiras à entrada na profissão. Não há qualquer regulação.
Um médico ou um economista demora hoje em dia sensivelmente o mesmo tempo a formar que há dez anos. Um profissional de IT pode estar no mercado depois de um bootcamp de 2 meses. Qualquer mercado com enorme incremento de oferta terá, mais cedo, ou mais tarde, o seu valor desvalorizado.
- O número elevado de contratações por parte das empresas está a fazer aumentar os salários? Se sim, quanto (pode ser em valor, percentagem, variação anual)?
No mercado, como um todo, sim. Em relação a 2020, os salários IT em Portugal este ano aumentaram 14.7 %. Mas quando se olha em pormenor vê-se que a subida percentual é muito maior nos perfis seniores (17.8 %) do que nos juniores (11.5%). Note-se que a inflação na OCDE está acima dos 5%.
- Notam um aumento no registo de pessoas estrangeiras na vossa plataforma? Se sim, quais as nacionalidades mais populares?
Claramente do Brasil. Uma boa parte da nossa comunidade é profissionais brasileiros que vieram, ou pensam vir, trabalhar para Portugal e que tem interesse em saber como é trabalhar e como são nas entrevistas antes de apanharem o avião. Aliás, há já diversas empresas de consultoria em Portugal especializadas em contratar quase exclusivamente brasileiros.
- Temem que possa haver, a curto/médio prazo, uma espécie de 'crise de programadores'? Isto no sentido de serem anunciados centros de desenvolvimento em Portugal, mas o país não ter depois talento suficiente para colmatar essas necessidades
Não acredito que tal venha a acontecer. O que acredito sim é numa continuada subida do salário médio. A dimensão do mercado português de IT, hoje em dia, mede-se não só pelo talento que existe em Portugal, mas também pelo talento brasileiro ou de países de leste que está disponível para trabalhar em Portugal. E que é muito.
Quem abre um novo hub em Portugal, antes de o fazer, compara diversos países, custos de vida, talento disponível, benefícios fiscais que lhes atribuem e só no fim de analisar todos estes aspectos toma uma decisão. Se o abre é porque financeiramente fez sentido, e se, ou quando, deixar de o fazer, irá procurar outro local onde faça mais sentido.
É muito mais complicado e dispendioso fechar uma fábrica do que fechar um hub tecnológico que é composto por mesas, computadores e pouco mais. Este é o risco de atrair empresas de tecnologia do Tier 1 e 2, empresas que estão preocupadas sobretudo com o custo.