Estão os informáticos portugueses fartos de ir para o talho?
Esperar pela resposta a uma entrevista de emprego pode demorar eternamente. Vive-se uma relação conturbada entre recrutadores e informáticos.
Já estiveste a trocar emails e o recrutador deixou de te responder sem aviso? Então já sofreste de "ghosting". A expressão define-se, no contexto de recrutamento, por deixar o candidato pendurado.
Penso que todos concordamos que qualquer tipo de ghosting são más maneiras. Há quem diga que o aumento deste fenómeno é um sinal que as gerações mais novas não têm educação. Esquecendo que a maioria dos que procuram emprego não são jovens.
Outros dizem que este comportamento é sinal de que o mercado de trabalho está repleto de oportunidades. No entanto, penso que este fenómeno acontece por razões diferentes.
A internet mudou completamente as práticas de contratação no final dos anos 90 ao facilitar o envio dos currículos em formato digital.
Quando centenas de candidaturas começaram a ser recebidas tornou-se difícil responder a todos os candidatos. A maioria não se dava ao trabalho. Por outras palavras, os recrutadores estavam a fazer ghosting aos candidatos.
Nunca sabias se uma empresa não estava interessada em ti. Se a tua candidatura nunca lhes chegou às mãos ou se estava em análise. Tantos candidatos para a mesma vaga era um desafio. Responder a todos era mais trabalhoso que a contratação em si. Não responder era o normal.
Actualmente, já não há sequer expectativa de receber resposta. Principalmente dos candidatos com menor nível de especialização. Por vezes, participamos em várias rondas de entrevistas, investimos tempo e dinheiro e, de um momento para o outro, temos recrutadores que deixam de nos responder.
Seja porque encontraram outro candidato ou porque a posição foi cancelada. Simplesmente não nos dão explicações, nem fazem gestão de expectativas de terceiros.
É assim tão surpreendente que agora se ouça falar do mesmo problema, mas no sentido inverso? Hoje também os recrutadores se queixam que os candidatos lhes deixaram de responder.
A razão principal do ghosting do lado dos candidatos é a mesma pela qual as empresas o fazem. Eles encontraram outra oportunidade.
Nós enviamos dezenas de candidaturas para vários empregos. Por vezes centenas no caso de juniores. Por consequência os empregadores continuam a receber imensas candidaturas.
Tal cenário leva a uma situação de ghosting bilateral que demonstra desinteresse na relação de ambas as partes.
Parte da razão tem a ver com o custo. Do lado do empregador, a métrica de sucesso é o mínimo que se consegue gastar para contratar alguém.
E do lado do candidato, tem a ver com a natureza do trabalho. Como em restauração e turismo a remuneração é sempre a mesma e o trabalho é idêntico. Não há escalões de senioridade nem benefícios que incentivam a ficar.
Há muito pouca oportunidade para subir na carreira. Se é possível ter o mais pequeno aumento ao ir para outro lado, não há razão nenhuma para se ficar no mesmo sítio.
Qualquer emprego onde as tarefas sejam semelhantes, e o atributo que o mais distingue é o salário, vai sofrer do mesmo problema dos empregos pouco qualificados. Hoje em dia ghosting é o mesmo que deixar uma potencial compra no carrinho da Amazon.
A área da programação em Portugal já não parece muito diferente de um talho ou de um restaurante. Já não basta saber o básico. É preciso adquirir novas competências que nos permitam concorrer a empresas onde o recrutamento é algo mais que uma transacção.