Categoria: Entrevistas

Uphold: Por dentro da fintech que desenvolve 90% da engenharia no Porto e Braga

Fintech Uphold apresentou-nos operação portuguesa: 200 profissionais, +100 contratações até 2026. Como se constrói tech global a partir de Portugal

A Uphold é uma fintech norte-americana fundada em 2014 que se tornou uma das principais plataformas globais de criptoativos, com presença em mais de 180 países e 16 milhões de utilizadores. O que poucos sabem é que 90% da engenharia desta gigante está concentrada em Portugal, nos escritórios do Porto e Braga, onde trabalham mais de 200 profissionais. Com receitas a disparar de 80 milhões de dólares em 2022 para uma previsão superior a 300 milhões em 2025, a Uphold prepara-se para duplicar a equipa portuguesa, contratando mais de 150 engenheiros até 2026. Nesta entrevista com Marco Oliveira, Chief Innovation Officer da Uphold, vamos conhecer como é construir tecnologia de nível global a partir de Portugal.

1. A Uphold esteve mais de uma década "em modo discreto". O que mudou agora e porquê este timing para dar a conhecer a operação portuguesa?

Como empresa que opera no mundo financeiro dos criptoativos, houve sempre um sentimento de que manter um nível saudável de sigilo seria uma forma de nos manter focados e mais protegidos de ruídos desnecessários. Aquilo que estávamos a construir era complexo o suficiente, sem ter de lidar com essas distrações.

Mais recentemente, graças a um crescente interesse da inovação tecnológica, oportunidade financeira, e clareza regulatória, este mercado atingiu uma maturidade em que já não é visto como apenas uma experiência, mas sim como o futuro da infraestrutura financeira global, colocando aquilo que a Uphold tem para oferecer no centro desta transformação, como uma plataforma que oferece a infraestrutura moderna para este mundo financeiro "on-chain".

Esta maturação trouxe um crescimento acelerado, o que nos leva a querer dar a conhecer a Uphold, para continuamente aumentar a densidade de talento da empresa, e também como uma forma de reconhecer o talento tremendo que temos, nas mais de 500 pessoas que globalmente connosco trabalham, cerca de 200 só em Portugal.

2. Com 90% da engenharia concentrada em Portugal, como é que estruturaram as equipas e que autonomia têm os engenheiros portugueses nas decisões técnicas e de produto?

À dimensão do desafio que temos, continuamos a ser uma equipa relativamente pequena, quando percebemos a quantidade de produtos que construímos e negócios que capacitamos. Como tal, estruturamos as equipas de forma a suportar as necessidades do negócio, nalguns casos com uma arquitetura de serviços partilhados, noutros de equipas multidisciplinares orientadas a uma missão ou subproduto.

Acima de tudo, somos uma equipa em constante evolução e aprendizagem e, quando necessário, repensamos a forma de trabalhar para adequar a uma nova fase da empresa e da equipa. Há muitas formas de trabalhar e organizar, é importante manter o espírito crítico e evoluir.

No que toca à autonomia e capacidade de tomar decisões técnicas e de produto, sendo que temos uma maioria concentrada em Portugal, naturalmente acabam por acontecer muitas decisões por cá, já que existe uma responsabilidade mas também responsabilização pelo que é feito. Os nossos CTO e SVP de Engenharia estão cá em Portugal, assim como o CPO da área de Consumer, VP de Produto e VP de Design de Produto. Só nesse grupo temos uma competência e autonomia de decisão muito grandes, embora não fique por aí, pois temos pessoas muito competentes espalhadas ao longo da nossa estrutura, colaborando com toda a organização, e tomando decisões de impacto global.

3. Que tipo de projetos é que um engenheiro trabalha no dia-a-dia na Uphold? Dá-nos exemplos concretos de desafios técnicos interessantes.

O trabalho de um engenheiro na Uphold é bastante diversificado e depende muito da equipa e da área de especialização. No entanto, de forma geral, pode dividir-se em três grandes vertentes: desenvolvimento de produto, evolução da plataforma core e iniciativas de fiabilidade e segurança.

No desenvolvimento de produto, os engenheiros trabalham na implementação de novas funcionalidades que impactam diretamente os nossos clientes - tanto externos (utilizadores da app ou plataforma web) como internos (equipas de operações, compliance ou suporte). Isto pode incluir, por exemplo, a integração de novos ativos digitais, a introdução de sistemas de pagamento mais eficientes ou em novos mercados, ou a melhoria da experiência de utilizador nas aplicações.

Na plataforma core, o foco é garantir que a infraestrutura que suporta todos os produtos é segura, escalável e de alta performance. Aqui enfrentamos desafios como otimizar a latência em transações financeiras globais, desenhar sistemas resilientes a falhas e garantir consistência de dados em ambientes distribuídos.

Além disso, temos equipas dedicadas exclusivamente à resiliência da plataforma, cujo principal objetivo é assegurar a performance e o uptime contínuo dos sistemas. Estas equipas introduzem regularmente alterações que, embora invisíveis para o utilizador final, são absolutamente críticas para manter a fiabilidade e estabilidade do ecossistema Uphold.

Por fim, há também um forte investimento em testes, automação e segurança - desde o desenvolvimento de pipelines CI/CD robustos, à implementação de testes automatizados e revisões de segurança de código e infraestrutura.

Um exemplo concreto foi durante o maior evento de liquidação da história dos criptoativos (10 Outubro 2025) quando os mercados registaram uma volatilidade extrema devido ao anúncio inesperado de Donald Trump sobre a imposição de tarifas de 100% a importações da China. Muitas plataformas financeiras deixaram de conseguir processar transações mas a Uphold manteve-se operacional praticamente durante todo o evento, permitindo que os utilizadores continuassem a negociar - um feito que reflete a robustez técnica e o planeamento das nossas equipas de engenharia e resiliência.

4. Procuram contratar 150+ pessoas até 2026 em backend, frontend, data science e cibersegurança. O que procuram nestes perfis e é preciso ter experiência prévia em fintech ou cripto?

Procuramos pessoas com competência e brio no trabalho que fazem. Um espírito crítico e vontade de manter os critérios de qualidade elevados são fundamentais para o que fazemos.

Se questionarem qualquer pessoa na Uphold, acredito que um dos temas mais recorrentes é a exigência elevada e, apesar de não sermos uma empresa perfeita, temos uma taxa de retenção das mais elevadas que já vi na indústria. Acredito que isto se prende em parte com o facto de que todos nós vimos para a Uphold para fazer o nosso melhor trabalho, e sentimo-nos rodeados de pessoas que fazem o mesmo.

Seria esse o perfil de pessoa que considero chave para trabalhar na Uphold, a vontade de dar o seu melhor. Quanto a experiência prévia, naturalmente ter conhecimento e interesse particular em fintech ou cripto são ótimas características, mas não considero requisitos para conseguir trabalhar cá. Independentemente da indústria em que trabalhamos, muitos dos nossos desafios continuam a ser os desafios clássicos de qualquer empresa nesta dimensão, a experiência do utilizador, a escalabilidade dos seus serviços, a colaboração entre as unidades de trabalho, e a produtividade individual e coletiva, e este é um conhecimento que é portável entre indústrias.

5. Como é a cultura de engenharia na Uphold? Como funcionam os processos de code review, deploy, autonomia das equipas?

Talvez correndo o risco de me repetir, a qualidade é o nosso foco. Todo o código desenvolvido na Uphold é obrigatoriamente peer reviewed por um humano e temos processos de deployment totalmente automatizados e com políticas de acesso controladas pelas próprias ferramentas, garantindo uma grande autonomia às equipas. Temos múltiplos ambientes de QA, equipamentos de testes dedicados em múltiplos formatos, dimensões e versões e, nalguns casos, até soluções com hardware próprio. A nossa cultura de monitorização e observalidade permite-nos "sentir" a plataforma a qualquer momento e reagir rapidamente.

A qualidade aqui é atingida, diria eu, com recurso a ferramentas AI, revisão humana, e automatização de processos, com vista a reduzir o tempo de ação ou erro humano.

Disponibilizamos e encorajamos o uso de AI em praticamente todos os processos, desde a concepção à implementação, tendo feito um enorme investimento para os nossos engenheiros terem ao dispôr as melhores ferramentas do mercado.

Tratando-se de uma plataforma financeira, as políticas de code review, acesso e isolamento são também chave, no sentido de proteger a plataforma e os ativos dos nossos clientes.

Há um ditado interno frequente que diz algo como "não há nenhum recurso que engenharia não possa ter", no sentido em que a empresa aposta fortemente em tudo o que a equipa precisa, sem condição, para aumentar a sua produtividade, inovação, qualidade e resultados.

6. Que stack tecnológica utilizam? E como é o onboarding técnico para quem vem de fora do mundo cripto/fintech?

Temos uma stack tecnológica com alguma extensão, com GitHub, Node.js, Golang, GraphQL, PostgreSQL, Kubernetes, Terraform, ArgoCD, OpenTelemetry, entre outros a nível de backend e infraestrutura, assim como React e React Native no frontend.

Os ambientes de desenvolvimento estão automatizados para que quem entre consiga ser produtivo no seu primeiro dia. O objetivo foi garantir que toda a 'burocracia técnica' desaparece e que os novos engenheiros se consigam focar no que é essencial: ficar confortáveis com a codebase da plataforma. Para tal, disponibilizamos Copilot em GitHub para que os engenheiros possam colocar questões multi-repositório, o que é uma grande ajuda quando ainda não se está familiarizado com o código.

Depois, cada equipa tem sempre o mentor que acompanha quem entra e que introduz cada tema com base na experiência de cada engenheiro. Existe muita documentação disponível também e o tamanho das equipas acaba por proporcionar um ambiente mais familiar a quem é novo na empresa.

7. Com presença em 180 países e milhões de utilizadores, que oportunidades de crescimento e aprendizagem isto traz para um engenheiro que está a começar ou a meio de carreira?

O nosso foco na contratação, de momento, é em perfis mid ou sénior. A Uphold oferece um desafio numa escala que não é fácil de encontrar, seja para trabalho backend ou frontend.

No backend, o desafio é óbvio, pelo volume de pedidos que a plataforma suporta, exigência de resiliência e capacidade de adaptação. Trabalhamos num mercado com características únicas. Ao contrário do que acontece noutras áreas, utilizando o e-commerce, como exemplo, é fácil prever e preparar para lidar com uma Black Friday. No nosso caso, uma publicação nas redes sociais da pessoa certa pode disparar o mercado, sem aviso prévio, e os nossos sistemas têm de estar preparados para lidar e adaptar-se a essa nova realidade, sem comprometer o serviço e garantindo a confiança dos utilizadores e parceiros. É uma experiência única e aprendizagem no que toca à robustez que elevam qualquer profissional.

Quanto ao frontend, com milhões de utilizadores, vem uma necessidade de disciplina e cuidado com a experiência do utilizador que é impossível de ignorar. Pequenos ajustes percentuais em taxas de conversão podem significar milhões em receita, ou semanas em remediação no apoio ao cliente. Este é um ambiente que eleva a sensibilidade de qualquer engenheiro que desenvolve interfaces de utilizador.

8. Como equilibram a necessidade de inovar rapidamente com os requisitos de segurança e estabilidade de uma plataforma financeira?

Nada é lançado sem ter passado por um processo rigoroso de avaliação. Mais uma vez os nossos sistemas e políticas servem de barreira ao risco criado pela inovação e criação acelerada. Encaramos os erros como uma realidade natural do trabalho e, entre automatização, políticas e verificação humana, conseguimos fazer um contrabalanço que garante a estabilidade da plataforma.

9. Quais são os maiores desafios técnicos de escalar uma operação destas a partir de Portugal? E que vantagens vês em ter o hub de engenharia no Porto e Braga?

No nosso caso, como somos uma operação global, talvez o desafio maior seja manter uma capacidade de resposta 24/7, com equipas "on-call", para lidar com incidentes ou necessidades urgentes do negócio.

Apesar desse desafio, as vantagens são tremendas. O nosso fuso horário permite-nos estar largamente disponíveis, e continuamos a ter uma densidade de talento em Portugal capaz de operar a um nível internacional. Porto e Braga têm muito para oferecer, entre empresas, universidades e comunidade tech, continuando a produzir pessoas competentes, ambiciosas e curiosas.

Exemplos disto foram as aquisições da Scytale e MOXY, ambas empresas de referência no desenvolvimento de software, e que nos permitiram rapidamente crescer a equipa, que tecnicamente nasceu em Portugal, desde uma dimensão que dava para contar pelos dedos até aos mais de 200 só em Portugal.

10. Para alguém que está a considerar juntar-se à Uphold, o que é que podem esperar encontrar que seja diferente de outras empresas tech em Portugal?

Trabalhar na Uphold é intenso. Estamos num mercado onde a velocidade determina as oportunidades que temos e portanto somos frontais quanto àquilo que nos move: o desejo e a vontade de trabalhar ao mais alto nível.

Qualquer pessoa é capaz de fazer um bom trabalho em condições ideais. Nós lutamos por fazer um bom trabalho apesar das adversidades, e nem toda a gente tem a vontade e energia para ser desafiada. Nesta questão sou realista, continuamos a lutar para ser melhores, temos um grande desafio pela frente e, tendo eu já passado por várias empresas, e criado algumas delas, posso dizer que é um dos locais mais exigentes por onde já passei, mas que acredito que faz parte da sua história de sucesso.

Basta olhar para o que foi construído com uma equipa tão pequena, relativamente falando, e no entanto continuamos a ter uma taxa de retenção da nossa equipa tão elevada. É uma empresa difícil de entrar, da qual muitos gostariam de fazer parte e, uma vez cá dentro, torna-se ainda mais difícil querer sair.

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