Para além das quotas: como criar inclusão real em empresas tech
Descobre como o movimento "She Is Tech" apoia mulheres e a diversidade no sector da tecnologia. Maryna Dudnyk fala sobre inclusão, liderança e carreira.

A She Is Tech começou com conversas informais entre mulheres da Intellias. Hoje é uma comunidade global com mais de 1.700 membros. Maryna Dudnyk, D&I Lead na Intellias, conta como um espaço seguro interno se transformou num movimento que atravessa continentes. A terceira edição da conferência, a 23 de Outubro, vai reunir mais de 2.000 participantes de forma totalmente gratuita. Esta é a história de quando a inclusão deixa de ser uma obrigação e se torna um valor.
1. Maryna, obrigada por te juntares a nós. Para começar, podes contar-nos um pouco sobre o teu percurso e como chegaste a D&I Lead na Intellias?
Maryna Dudnyk: O meu caminho esteve sempre ligado à responsabilidade social e à promoção da igualdade de género e da inclusão no setor público, em ONGs e nas empresas. Quando entrei na Intellias, inspirei-me na abordagem centrada nas pessoas da empresa e no facto de a equidade, a diversidade e a inclusão fazerem parte dos valores centrais da mesma. Foi aí que a verdadeira jornada começou.
Em conjunto com colegas, começámos a delinear a nossa estratégia de EDI e a criar employee resource groups. Um deles é a She Is Tech, a nossa comunidade de mulheres, da qual tenho orgulho em fazer parte e ajudar a crescer. Tornou-se não só um espaço seguro para as mulheres se conectarem e desenvolverem, mas também o ponto de partida para algo maior - a She Is Tech Conference.
Mas a verdade é que nada disto é apenas sobre mim. A conferência e todo o nosso trabalho de D&I são fruto de um trabalho de equipa incrível - movido por pessoas que colocam paixão, energia e criatividade em cada detalhe. É isso que torna a nossa história realmente poderosa.
2. A diversidade, a equidade e a inclusão continuam a ser grandes desafios na área tecnológica. Do teu ponto de vista, quais são as principais barreiras que as mulheres enfrentam hoje?
Maryna Dudnyk: As barreiras são múltiplas. As mulheres continuam subrepresentadas em cargos de liderança e em funções técnicas. Existe a persistente diferença salarial, mas também desafios menos visíveis - como a falta de modelos de referência, os estereótipos sobre "quem tem o perfil de engenheiro" e o síndrome do impostor, que muitas carregam. Para além disso, as responsabilidades de casa recaem, em grande medida, sobre as mulheres, afetando a sua progressão de carreira.
É importante reforçar que estas barreiras não são apenas problemas individuais, são sistémicas. Sem estratégias intencionais, as estruturas de trabalho continuam a favorecer a maioria. É por isso que iniciativas como a She Is Tech são tão importantes - desafiam o sistema ao construir visibilidade, confiança e redes que atravessam fronteiras.
3. Costumas dizer que a inclusão não deve ser vista como uma obrigação, mas como um valor. O que muda isso, na prática?
Maryna Dudnyk: Muda tudo. Quando a inclusão é vista como uma "lista de verificação", muitas vezes resulta em tokenismo - convidar apenas uma mulher para um painel ou contratar para preencher uma quota. Mas quando é um valor, passa a estar enraizada na forma como contratamos, como promovemos, como os líderes tomam decisões e até em como inovamos.
Na Intellias, por exemplo, procuramos ligar a inclusão à cultura do dia a dia: garantir que as reuniões são acessíveis entre diferentes fusos horários, oferecer mentoria entre regiões e formar líderes para reconhecerem preconceitos. Estas não são atividades de conformidade, são culturais. Quando a inclusão se torna um valor, as pessoas sentem-se seguras para trazer o seu verdadeiro "eu" para o trabalho. E é aí que a criatividade e a inovação florescem.
4. A She Is Tech começou como uma iniciativa interna na Intellias. Como evoluiu para um movimento global?
Maryna Dudnyk: Honestamente, nunca planeámos que se tornasse global. Começou com conversas pequenas e genuínas - um espaço onde as mulheres da Intellias podiam dizer: "Não estou sozinha", partilhar dificuldades e encontrar apoio. Foi o poder da empatia que fez o projeto crescer.
A partir daí, a comunidade começou a expandir-se. As mulheres convidaram amigas, colegas e pares de outras empresas. Organizámos eventos internos, depois conferências globais, e mais tarde criámos um podcast. Hoje a She Is Tech liga mais de 1.700 mulheres e aliados em vários continentes. A escala é global, mas o espírito continua o mesmo: criar espaços onde as mulheres se sintam ouvidas, apoiadas e empoderadas.
5. Este mês de outubro marca a terceira edição da Conferência She Is Tech. O que torna esta edição especial?
Maryna Dudnyk: A She Is Tech 3.0 reflete crescimento e evolução. Esperamos mais de 2.000 participantes, mais de 35 oradores de países como Colômbia, EUA, Portugal, Espanha, Ucrânia e Alemanha, e mais de 30 organizações parceiras.
A grande novidade deste ano é a inclusão de workshops presenciais em Portugal, Espanha, Polónia e Ucrânia. A conferência online continua a ser o nosso palco global - com fireside chats, palestras e painéis - mas os workshops permitem-nos conectar com as comunidades localmente, oferecendo formação, mentoria e networking adaptados a cada região. Esta combinação entre global e local é muito poderosa na minha opinião.
6. O programa foca-se em quatro grandes temas: desenvolvimento de carreira, inovação & IA, cultura organizacional e liderança. Porque escolheram estas áreas para a She Is Tech 3.0?
Maryna Dudnyk: Queríamos que o programa refletisse os verdadeiros desafios e oportunidades que as mulheres em tecnologia enfrentam hoje. O desenvolvimento de carreira e a atualização de competências são críticos porque a tecnologia evolui muito rápido - as mulheres precisam de acesso a aprendizagem e mentoria para manter portas abertas ao longo das suas carreiras. A inovação & IA tinham de estar incluídas porque a inteligência artificial está a transformar indústrias, e é essencial que as mulheres participem na definição da tecnologia e da ética que a acompanha.
A cultura organizacional é outro pilar, porque a inclusão não acontece isoladamente - trata-se de construir ambientes onde as pessoas se sintam seguras para crescer e contribuir. E finalmente, a liderança, porque a representação no topo muda verdadeiramente os sistemas. A liderança inclusiva define como as organizações evoluem e estabelece o tom para a equidade e a inovação. Em conjunto, estes quatro temas capturam as áreas onde o progresso pode ter maior impacto a longo prazo.
7. Que conselho daria às mulheres que estão a começar a carreira em tecnologia?
Maryna Dudnyk: Primeiro, acreditem na vossa voz - não se calem. Segundo, rodeiem-se de pessoas que vos elevem: mentores, pares, aliados. Comunidades como a She Is Tech existem por uma razão - ninguém deve sentir que tem de percorrer o caminho sozinha.
E, por fim, invistam em aprendizagem. A indústria tecnológica muda constantemente, e o melhor que podem fazer pela vossa carreira é manter a curiosidade e continuar a adquirir novas competências. Crescer não é ter um plano perfeito, é dar pequenos passos que abrem novas portas.
8. E quanto aos aliados - o que podem fazer para realmente fazer a diferença?
Maryna Dudnyk: Os aliados são cruciais. Podem começar com algo muito simples: ouvir. Ouvir verdadeiramente as experiências das mulheres, sem tentar corrigir ou desvalorizar. Depois, agir - seja amplificando a ideia de alguém numa reunião, recomendando mulheres para promoções ou desafiando estereótipos quando surgem.
Outro aspeto importante é que a aliança masculina está a tornar-se mais visível. A conversa sobre igualdade de género não é apenas "um tema das mulheres". Quando os homens entram no diálogo e apoiam ativamente a inclusão, a mudança acelera.
9. E qual é a tua esperança para o futuro da She Is Tech?
Maryna Dudnyk: A minha esperança é que a She Is Tech seja sempre um espaço onde as mulheres sintam que pertencem, onde possam partilhar, aprender e crescer juntas, e onde os aliados estejam ao nosso lado. Ao mesmo tempo, queremos falar mais sobre interseccionalidade, porque as histórias das mulheres em tecnologia não são todas iguais. Alguém pode enfrentar desafios não apenas por ser mulher, mas também como cuidadora, como pessoa com deficiência ou por causa da sua origem. A verdadeira inclusão significa ver e apoiar todas estas camadas.
Para nós, a conferência é mais do que painéis ou números - é dar voz a estas diferentes experiências e mostrar à indústria o que a equidade realmente significa. Se conseguirmos isso, deixaremos uma marca positiva que faz realmente a diferença.
Nota: A She Is Tech 3.0 realiza-se online a 23 de outubro, com workshops presenciais adicionais em Portugal, Espanha, Polónia e Ucrânia. A participação é gratuita mediante inscrição: https://bit.ly/4gpoTBe