Guia para sobreviver aos primeiros anos da carreira em tecnologia: lições reais
Especialistas revelam competências essenciais, desafios iniciais e conselhos práticos para desenvolver uma carreira tecnológica sólida em Portugal.

A carreira em Tecnologias de Informação (TI) em Portugal apresenta desafios e realidades que nem sempre são abordados no discurso comum. Para discutir estes aspetos, o Teamlyzer reuniu três especialistas durante as Jornadas da Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (JEEC), realizadas a 8 de maio de 2025. Nesta conversa, partilharam estratégias concretas para construir uma carreira sólida em TI, focando-se no que, frequentemente, fica por dizer.
Participantes
- Catarina Farinha — Gestora de Investigação em IA, Unbabel
- Joana Arina — Data Engineer, Portugália Airlines
- Ana Rodrigues — Especialista Sénior de RH e Ambiente de Trabalho, APGAR
- Patrícia Gomes — Reportagem, Teamlyzer
#Parte I: Entrada no mercado de trabalho de TI em Portugal
Teamlyzer: Catarina, qual foi o maior desafio que enfrentou no início da sua carreira e como o ultrapassou?
Catarina Farinha: Ao sair do meu doutoramento, não sabia muito da área. Senti-me lançada para o escuro. A superação veio da confiança em mim própria: se as outras pessoas conseguem, então eu também consigo, mesmo que implicasse esforço adicional e não ter receio de perguntar.
Teamlyzer: Joana, e no seu caso, vinda da engenharia mecânica?
Joana Arina: O meu desafio foi não ter começado na tecnologia. Deparei-me com equipas onde muitos colegas, mais novos, tinham uma preparação completamente diferente. Essa capacidade técnica tão fresca fez-me sentir inicialmente fragilizada. Contudo, percebi que a minha experiência agregava outras competências valiosas. Eu sabia coisas que eles também não sabiam, e essa complementaridade foi enriquecedora. A superação também passou por não ter receio de perguntar e apoiar-me em quem era preciso.
Teamlyzer: Como lidaram com o síndrome do impostor?
Catarina Farinha: A chave é não querer ficar recatada, não me isolar. Às vezes, a falta de confiança deixa-nos ser menos vocais. Para combater isto, é preciso ser vocal, mesmo sobre falhas ou inseguranças. Superar um desafio deixa-nos empowered.
Teamlyzer: Ana, quais os principais desafios na contratação e gestão de talento em TI, considerando a sua experiência?
Ana Rodrigues: Primeiro, perceber claramente o core do negócio em TI, que é altamente específico. Segundo, compreender o perfil do candidato, pois, normalmente, nesta vertente da TI, as pessoas são mais reservadas, e às vezes é difícil comunicar ou perceber aquilo de que precisam.
#Parte II: Competências essenciais – Para além do código
Teamlyzer: Que competência técnica ou soft skill consideram mais subvalorizada, mas essencial para quem está a começar?
Joana Arina: As soft skills são a grande mais-valia. A capacidade técnica hoje já está desatualizada. O que verdadeiramente importa é o pensamento crítico e a análise, a capacidade de questionar a validade dos resultados.
Catarina Farinha: O pensamento crítico é fundamental. Recordo um professor do Técnico que dava zero a quem apresentasse um número disparatado no final, mesmo com 90% dos cálculos corretos, porque não se percebeu que aquilo não fazia sentido nenhum. Esta capacidade de análise e de fazer as perguntas certas é a mais valorizada na contratação.
Ana Rodrigues: A humildade. É muito subvalorizada e muito importante. Noto que esta característica pode ser menos evidente nas camadas mais jovens, que entram num mercado de TI onde é fácil encontrar trabalho e não têm termo de comparação com dificuldades passadas.
Teamlyzer: Catarina, como vê a evolução da IA em Portugal para recém-formados?
Catarina Farinha: Agora está toda a gente a trabalhar na parte do agent AI, com muitas startups a utilizar agentes. É uma área promissora, que está a democratizar o seu acesso e a valorizar profissionais de outras áreas, como linguistas, que antigamente, se calhar, não tinham estas capacidades técnicas, mas que agora serão ainda mais valorizadas.
Joana Arina: No entanto, mesmo com a IA, o espírito crítico é insubstituível. O meu filho de quatro anos, perante um desenho gerado pelo ChatGPT, detetou um erro que eu não vi: faltou o número dois. A lição é clara: nunca perder o espírito crítico.
#Parte III: Recomendações para começar uma carreira em TI
Teamlyzer: Se pudessem dar apenas um conselho a um profissional em início de carreira, qual seria?
Joana Arina: Divirtam-se. Não escolham um trabalho apenas por ser uma empresa fantástica ou para agradar à família. E se perceberem que não é o que pensavam, tenham a coragem de mudar. Vocês são novos. Se não se estiverem a divertir, mudem, tentem, procurem. E, principalmente, não deixem de falar uns com os outros.
Falem com pessoas no LinkedIn, vejam quem trabalha lá. Perguntem se gostam de trabalhar aí, não apenas para arranjar uma cunha. É preciso ir além da entrevista formal com os RH.
Catarina Farinha: Gosto tanto do meu trabalho que o fazia de borla. Mas, pragmaticamente: ou se está a ganhar muito dinheiro, ou a aprender, ou a divertir. Se um destes pilares falha, então, saiam. E usem a frustração como motor: após ser rejeitada por não saber SQL, fiz um curso para que nunca mais acontecesse.
Ana Rodrigues: Ser humilde e ter a mente aberta. Ser flexível, estar aberto a mudanças, porque hoje tudo é muito rápido. A incapacidade de adaptação dificulta a vida.
#Parte IV: Síntese das principais ideias:
- A entrada no mercado de TI pode ser um "choque de realidade"; a tua confiança e capacidade de aprender rapidamente são essenciais.
- As soft skills, como o pensamento crítico e a humildade, superam a importância da proficiência técnica isolada, que se desatualiza rapidamente.
- A IA é uma ferramenta poderosa, mas o teu espírito crítico humano é essencial para resolver problemas complexos e identificar erros.
- Procura alinhamento pessoal com o teu trabalho ("divirtam-se"), tem coragem para mudar, faz networking genuíno e usa a frustração como motor de crescimento.
- O sucesso em TI é um desenvolvimento holístico; a tua honestidade, integridade e adaptabilidade são tão cruciais como a competência técnica.
Este reportagem decorreu nas Jornadas da Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (JEEC) a 8 de Maio de 2025. Para mais insights sobre carreiras em tecnologia visita o Teamlyzer.