A realidade da IA nas grandes empresas: O que ninguém conta
As promessas da inteligência artificial (IA) são sedutoras, mas a realidade no terreno é substancialmente diferente.
Numa série de entrevistas exclusivas durante o web summit, responsáveis de tecnologia da Dell, IBM, KPMG, Niantic e Autodoc revelam os verdadeiros desafios que enfrentam - longe dos títulos sensacionalistas e das apresentações comerciais.
Os bastidores das implementações
Na Dell Portugal, os números impressionam à primeira vista: 40% de redução no tempo de resolução de problemas com chatbots. Mas Henrique Lopes, Arquiteto na empresa, revela o outro lado da moeda: "Um modelo leva o seu tempo a construir e uma vida toda a manter". A empresa constituiu equipas inteiras dedicadas apenas à manutenção de modelos. O problema mais grave? A degradação silenciosa dos modelos, que exige retreinamento constante. "O data privacy hoje em dia é um tema extremamente importante", revelando que a equipa descobriu vulnerabilidades preocupantes em modelos de linguagem, incluindo exposição não intencional de dados confidenciais.
A IBM Portugal optou por um caminho diferente, apostando em desenvolvimento próprio após perceber que os modelos genéricos falhavam em casos específicos. "A principal limitação é conseguir que a IA chegue de forma transparente ao maior número de pessoas", admite Nuno Maximiano, líder técnico de dados e IA. A empresa mantém uma infraestrutura dedicada que consome recursos significativos - um investimento necessário para manter a latência em níveis aceitáveis nos seus modelos de linguagem de grande escala. A equipa descobriu que os custos de processamento aumentam exponencialmente com cada melhoria incremental de performance.
A Autodoc enfrenta uma realidade particularmente desafiante. "Temos estado numa estrutura monolítica a nível técnico", reconhece Benjamin, Global Employer Branding Manager. A empresa está a automatizar 50% do seu novo centro logístico na República Checa, mas depara-se com um problema raramente discutido: a integração com sistemas legacy está a consumir três vezes mais recursos que o previsto. Os dados históricos, fundamentais para treinar os novos modelos, estão presos em formatos incompatíveis com as ferramentas modernas de IA.
Na KPMG, a questão é primordialmente humana. "Temos que ter quem domine a tecnologia, mas temos que ter quem domine também os processos e o setor", explica Miguel Afonso. A empresa descobriu que profissionais puramente técnicos frequentemente falham em compreender as nuances do negócio, enquanto especialistas do sector lutam para acompanhar a evolução técnica. O resultado? Projectos que excedem orçamentos e prazos, não por falhas técnicas, mas por incompreensões fundamentais dos requisitos do negócio. A implementação do Copilot trouxe outro desafio inesperado: "Estamos a dar às pessoas as tarefas menos rotineiras e aquelas que de facto são mais desafiantes", mas isto está a resultar em níveis preocupantes de burnout entre as equipas.
A Niantic enfrenta desafios únicos de escala. Com "um milhão de VPS locations, cada uma com múltiplas redes neurais" diz-nos Greg Chiemingo Tech & Platform Comms, a empresa descobriu que a teoria nem sempre se traduz bem na prática. Os custos de processamento em tempo real estão a crescer mais rapidamente que as receitas, e a integração com dispositivos móveis de baixa potência revelou-se um desafio e estamos ansiosos pela chegada dos óculos AR.
Lições aprendidas no terreno
A Dell descobriu que 70% dos problemas de implementação podem ser evitados com uma análise rigorosa inicial dos requisitos. A IBM refere que modelos mais pequenos e específicos frequentemente superam modelos maiores e mais genéricos em casos de uso reais. Por sua vez a Autodoc percebeu que a modernização da infraestrutura deveria ter precedido a implementação de IA.
O futuro imediato
O consenso dos entrevistados é claro: apesar dos desafios iniciais com estas ferramentas, o seu potencial e impacto na produtividade são inegáveis. As empresas estão a preparar-se para desafios específicos que já se desenham no horizonte:
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A regulamentação de modelos autónomos vai exigir mudanças significativas nas arquitecturas actuais
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Os custos de computação continuam a crescer sem um tecto à vista.
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A integração com sistemas existentes está a revelar-se mais complexa que o previsto.
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Questões de segurança e privacidade estão a forçar redesenhos completos de sistemas.
Recomendações práticas para 2025
As lições do terreno traduzem-se em recomendações concretas:
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Comece pequeno mas pense grande: a Dell enfatiza "perceber bem o problema para ter uma base sólida".
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Invista em conformidade desde o início: a Autodoc aprendeu isto da forma mais difícil.
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Equilibre experimentação com prudência: a Niantic adverte "try different things, but understand the security risks".
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Prepare-se para mudanças constantes: a KPMG sublinha a necessidade de "acompanhar a velocidade exponencial".
A mensagem final é clara: a IA está a transformar as empresas, mas o caminho é substancialmente mais complexo, dispendioso e desafiante do que as apresentações comerciais sugerem. O sucesso depende não só da tecnologia, mas de uma compreensão profunda destes desafios reais e de uma preparação adequada para os enfrentar.